Primeiro romance de Luís Mazás, Adela no País de Ural


M Editora. 2020

Adela sempre quis levar um caminho pela vida em direção contrária, sentindo-se muitas vezes fora de lugar, sobretudo depois dum divórcio.
Um dia, por acaso, desperta no mundo de Ural; um país, talvez fruto dum mal sonho, onde terá que passar por muitas vicissitudes.
Nesta odisseia, num mundo distópico a preto e branco, toparemos com situações tragicómicas que têm um referente nas nossas vidas reais e na ultra realidade que é a arte.


Assim começa ADELA NO PAÍS DE URAL:

Eis a luz solar a que experimenta a mudança própria dos tempos ágeis. Um cúmulo de saudades e esperanças outrora vivas e que agora se esvaem, olhando para a porta fechada, a mesa cheia de jornais. Abrir as gavetas na procura duma chávena e ver a louça tanto tempo sem usar, os pratos de cerâmica adornados com belos motivos orientais, a fonte de vidro colorido qual rosa dos ventos.

Adela apanhou o café, moeu-o naquele moinho de mão que fora da sua tia Amparo, a pintora. E, enquanto moía, pensava nos verãos na casa do avô Emílio, quando a tia regressava das suas viagens pela Europa e lhe trazia frascos de Chanel n.º 5, incenso da China, e objetos curiosos que comprara em Lisboa na Feira da Ladra. Trazia lhe discos de jazz...

Enquanto o café se fazia, foi até onde tinha a sua coleção de discos: Sonny Rollins, Django Reinhardt... Bessie Smith, era o que procurava. Colocou-o no gira discos. Soava Jail house Blues. Era a cantora de blues favorita de tia Amparo. Sentou se a tomar o café escutando a música. Deixou finalizar o lado do disco e ficou sentada na mesa da sala olhando para o quadro da parede, uma reprodução d’O dormitório de Balthus. Então sentiu desassossego. Era sensação de desamparo que lhe fazia sentir a pintura. A maldade da rapariga que violava a intimidade da jovem estendida no divã despida, ao abrir as cortinas deixando ver assim a sua nudez do exterior da casa.

Foi até à cozinha, levando a louça à pia. Pensou no tempo que transcorrera. Agora a sua querida tia já não estava: viera tão doente do pulmão de Estocolmo. Mas Adela sabia que morrera de saudade, a doença da família. O avô Emílio começara a não falar com ninguém, a dar passeios sozinho pela praia. E um dia não voltou a casa. Três dias depois aparecera morto no caminho de ferro.


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